A via amigável sempre é o melhor caminho para se solucionar qualquer conflito de interesses. E com o divórcio não é diferente.
Porém, o divórcio amigável contém algumas “ciladas” às quais é importantíssimo atentar, até para se poder evitá-las – notadamente porque, depois de assinado o acordo, é muito difícil de se conseguir uma anulação.
“Mas, afinal, quais seriam estas ‘ciladas’?”. Vamos a elas:
1- Alta probabilidade de frustração nas tratativas para se atingir a solução amigável.
Isso pode ocorrer em função da falta de cuidado do advogado no alinhamento das expectativas com o cliente e na explicitação da metodologia de trabalho que será utilizada (como tudo será feito, em quanto tempo, quais os cenários possíveis, etc.). Então, é fundamental que o advogado, em qualquer tipo de divórcio, mas especialmente no amigável, que envolve expectativas maiores (resolver tudo em menos tempo, com o mínimo possível de desgaste emocional, sem litígio, etc.), deixe muito claro ao cliente, desde o início, a metodologia de trabalho que será seguida, os passos que serão dados, um a um, as variáveis possíveis, a forma como cada cenário será enfrentado, bem como os riscos assumidos. Com isso, é muito difícil que ocorra uma frustração do cliente/divorciando, que já estará ciente e preparado para todas as possibilidades;
2- Falta de clareza/certeza sobre o patrimônio a ser partilhado.
É muito comum que a pessoa que procura um advogado com vistas a um divórcio amigável saiba ou desconfie que o outro cônjuge possui investimentos em seu nome, bens em seu nome, empresas em seu nome, etc. – ativos, enfim, que deveriam compor o patrimônio partilhável -, mas não tenha certeza sobre isso ou sobre a dimensão econômica desses ativos (qual o valor investido? Quanto valem esses bens ou empresas?). Neste tipo de situação, o divórcio amigável pode ser uma verdadeira “cilada”, já que a parte estará entrando em uma negociação de partilha de bens sem conhecer o valor certo do patrimônio a ser partilhado. A partir disso, pode celebrar acordo que venha a descobrir depois lhe ter sido muito desfavorável. Para evitar este tipo de situação, é salutar que o advogado peça ao seu cliente as últimas declarações de imposto de renda dele e, se possível, também do outro cônjuge, ou, ainda, se isso não for possível, que faça uma busca dos bens que a outra parte tiver em seu nome. Havendo desconfiança de tentativa de fraude à partilha, é importante que o cliente auxilie o advogado nessa busca, apontando possíveis “laranjas” ou, enfim, outros mecanismos possivelmente utilizados pelo outro em tal empreitada;
3- Possibilidade de o advogado servir de instrumento para a concretização de fraude.
É muito comum em nosso dia a dia que o cliente queira a sua parte de direito sobre os bens que estão em nome do outro, mas no que diz respeito aos que estão em seu nome, considere “justo” que o outro não tenha direito a nada, afinal, “ele(a) nem ajudou a pagar!”. A partir disso, valida para si mesmo a busca por uma partilha que lhe favoreça, prejudicando o outro cônjuge. Mas não pode ser papel do advogado, no intento de obter o melhor cenário ao seu cliente, respaldar juridicamente uma fraude (ato ilícito). Além desta hipótese, também é comum que o cliente omita do próprio advogado bens ou investimentos ou empresas, etc., que estão em seu nome (ou mesmo em nome de “laranjas”) e que deveriam integrar o patrimônio comum/partilhável. Neste caso, o advogado não está ciente da tentativa de fraude, mas por uma falta de cautela, pode acabar chancelando (e se tornando “cúmplice”, por assim dizer, de) tal ato ilícito, apenas por não ter tomado as cautelas necessárias – como pedir ao seu cliente as últimas declarações de bens e rendimentos entregues à Receita Federal. Cumpre observar que não é somente o “outro lado” que pode tentar perpetrar fraude à partilha, mas também, e muitas vezes, o seu próprio cliente;
4- Presunção de que o divórcio amigável será menos desgastante e trabalhoso ao advogado do que o litigioso.
Nos nossos anos de advocacia trabalhando com divórcios de alta complexidade, podemos perceber e assimilar que o divórcio amigável, muitas vezes, pode ser até mais trabalhoso ao advogado do que seria um processo litigioso daquele mesmo caso concreto. E isso ocorre por vários motivos. Um deles é a postura das partes de, supostamente, não quererem o litígio, não quererem “guerra”, mas, ao mesmo tempo, não chegarem a um entendimento sobre a forma de partilha dos bens e tentarem utilizar o advogado como uma espécie de “juiz da causa”. O advogado não ocupa este papel, nem mesmo no divórcio amigável. É claro que, em um divórcio amigável, havendo alguns pontos de discordância, cabe ao advogado conduzir as partes a um diálogo saudável e produtivo visando à melhor solução para ambas no que diz respeito à partilha do acervo patrimonial. Contudo, em caso de divergência insolucionável, não cabe ao advogado decidir sobre quem tem razão. Está-se em cenário de divórcio amigável. Havendo divergências intransponíveis entre as partes, o caso deve ser levado ao Judiciário, para ser decidido por um juiz – e não pelo advogado contratado pelos divorciandos .
Outro motivo comum é justamente esta “costura” por um acordo. E aqui a dificuldade reside, especialmente, nos casos em que o monte partível é composto por mais ou mais valiosos bens. Este processo, estas tratativas, enfim, podem demandar inúmeras reuniões, contatos com um lado e com o outro (muitas vezes com o advogado do outro lado), horas técnicas e intenso trabalho intelectual de desenvolvimento do melhor ajuste (que contemple de forma satisfatória o interesse dos dois lados), etc. Sendo assim, em resumo: não caia, colega advogado, naquele pensamento comum de que o divórcio amigável sempre será menos trabalhoso que o litigioso. Poderá até ser, mas esta não é uma premissa 100% verdadeira. Então, considere este fator na hora de quantificar seus honorários e levar a proposta ao cliente. No nosso escritório, costumamos orçar nossos honorários tendo como objetivo a solução do problema apresentado (como um todo). Se a solução vier mais rápido que o previsto, mérito nosso; se demorar mais do que o previsto, sem problemas, devemos estar preparados para isso também;
5- Celebração de acordo desfavorável ou mal redigido (contendo cláusulas de interpretação dúbia, etc.).
A pessoa em situação de divórcio está muito fragilizada emocionalmente. Aquele contexto é, para si, extremamente desconfortável e isso lhe impõe uma ansiedade fora do comum no sentido se ver logo com aquele problema resolvido, de ver logo aquele contexto longe de si, no passado, como “página virada” em sua vida – ainda que o luto próprio do término custe um pouco (ou muito) a ser superado, aquela formalização do divórcio e da partilha dos bens é sempre sofrida. A pessoa é obrigada a pensar e a resolver questões práticas, estando “sem cabeça” para isso. Portanto, quer se ver logo fora daquele contexto. Isso faz com que, na pressa de sair logo daquela conjuntura incômoda, as pessoas acabem assinando acordos desfavoráveis aos seus interesses ou mesmo com cláusulas mal redigidas, obscuras, dúbias, contraditórias entre si, etc. Cabe ao advogado atentar para isso e evitar que isso aconteça. A pressão do cliente poderá ser grande, mas não poderá jamais superar a técnica jurídica e a responsabilidade do advogado pela busca ao que for melhor e mais seguro ao seu cliente (e isso inclui uma redação clara e induvidosa das cláusulas do acordo) – sem prejudicar, evidentemente, de forma fraudulenta, o outro lado.
Tem interesse no assunto? Assista o vídeo que preparamos. Link abaixo.